Brasileirão 2024: O Começo do Fim
A maneira como você assiste a maior competição esportiva do Brasil vai mudar a patir de 2025. Para melhor ou para pior?
Em 13 de abril de 2024 foi dado o pontapé inicial para mais um Campeonato Brasileiro de Futebol masculino. E começou em um contexto muito conhecido para nós: bons e péssimos jogos, gramados horríveis, algumas péssimas arbitragens, VAR, favoritos suando para vencer e jogos ao vivo, gratuitos, transmitidos pelo grupo Globo. Excluindo os jogos que tem o Athletico como mandante, a Globo detém os direitos de transmissão de absolutamente todos os outros jogos do campeonato – e essa pode ser a última vez na história que teremos tamanha concentração de partidas na mão de um grupo.
Nesse texto, não vamos aprofundar nas estruturas de propostas e o quão vantajosas ou não podem ser para os clubes brasileiros. Prometo que essa discussão vai vir no momento certo. Vamos abordar esse assunto de uma outra perspectiva, de uma das partes envolvidas tão ou mais interessada que clubes e grupos de mídia: o torcedor.
Nos últimos 4 anos e meio, trabalhando e morando na Alemanha, me caiu a ficha que o futebol no Brasil tem uma vantagem gigante para o consumidor, inexistente em muitos países desenvolvidos: futebol gratuito na TV aberta. Na Europa, praticamente qualquer competição incluindo os campeonatos locais faz parte de pacotes de TV por assinatura ou streaming. No Brasil, sempre tivemos o campeonato local disponível para qualquer pessoa com uma TV e uma antena (até a Champions League é transmitida em TV aberta por aqui!). Não são todos os jogos que estão disponíveis, mas você consegue ter acesso aos grandes confrontos e jogos de fases finais. Não estamos acostumados a pagar para ter acesso a muitos jogos de futebol, principalmente o Brasileirão – e é importante saber isso para entender a camada de complexidade adicional que temos nas negociações de direitos de transmissão por aqui.
“Nos últimos 4 anos e meio, trabalhando e morando na Alemanha, me caiu a ficha que o futebol no Brasil tem uma vantagem gigante para o consumidor, inexistente em muitos países desenvolvidos: futebol gratuito na TV aberta.”
A Rede Globo transmite o Brasileirão Série A desde 1987. Por quase 37 anos os torcedores estão acostumados a assistir o principal campeonato do país, com jogos de todos os times transmitidos pelo maior grupo de mídia do Brasil. A empresa transmite alguns jogos em sua rede aberta e a grande maioria nos seus canais fechados, como SporTV e Premiere. Só que em 2025 esse jogo pode mudar drasticamente.
O Futuro das Transmissões
Em 2021, depois de medida provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro em 2020, a Lei do Mandante entrou em vigor. Essa nova lei deu aos clubes mandantes das partidas de futebol no país a autonomia de negociar a venda dos direitos de transmissão dessa partida. Isso fez com que, em 2022, os principais clubes de futebol do Brasil começassem a organizar uma nova liga no futebol brasileiro, que ficaria responsável por negociar os direitos de transmissão dos jogos dos clubes membros. Digo “nova tentativa” pois já tivemos uma liga, de 1987 a 2011, chamada de Clube dos 13 e que foi implodida depois que o Corinthians solicitou sua desfiliação em 2011. O problema dessa nova tentativa de liga é que os clubes voltaram a se desentender e já se dividiram em 2 grupos: LIBRA e Liga Futebol União. A bagunça começa porque a Rede Globo já fechou um contrato pelos direitos de rede aberta e fechada com os times filiados a LIBRA para o período de 2025 a 2029, com as seguintes equipes desse grupo que hoje jogam a Série A são: Atlético Mineiro, Red Bull Bragantino, Flamengo, Grêmio, Palmeiras, São Paulo e Vitória. A Liga Futebol União, que tem Athletico, Atlético Goianiense, Atlético Mineiro, Criciúma, Cruzeiro, Cuiabá, Fluminense, Fortaleza, Internacional, Juventude e Vasco, tem hoje seus direitos disputados por Rede Globo, SBT e Record. A Live Mode, empresa contratada pela LFU para ajudar a vender o produto, preparou um pacote para TV aberta com jogos as quartas-feiras as 19:30 e aos sábados as 16:00 – a idéia é fugir da concorrência direta com a Globo. Ou seja, existe a possibilidade real dos direitos do grupo com a LFU ficar fora da gigante carioca, conhecida por não ser flexível com sua grade de programação.
Ah, e percebeu que na lista faltou um time bem importante nessa história? Sim, o Corinthians não concordou com as cláusulas de rateio da venda dos direitos, não assinou o contrato entre Globo e LIBRA e, até que mude de ideia, negocia seus direitos individualmente.
No meio de tudo isso está o torcedor, perdido e esquecido. Já somos o único país no mundo onde um apaixonado pelo seu clube do coração tem que recorrer ao Google toda semana para saber onde vai conseguir assistir seu time do coração e essa situação tende a piorar de 2025 para a frente.
“O problema dessa nova tentativa de liga é que os clubes voltaram a se desentender e já se dividiram em 2 grupos: LIBRA e Liga Futebol União.”
Vamos criar aqui uma situação hipotética onde a LFU venda seus direitos de TV aberta para o SBT e de TV fechada para a ESPN. O Corinthians, por sua vez, aceita uma proposta extremamente tentadora de uma parceria entre Record + Amazon Prime para todos os seus jogos. Acompanhe a jornada hipotética do torcedor do Corinthians para assistir alguns jogos:
Domingo, 08/06/2025 as 16:00 - liga a TV na Globo para assistir Flamengo x Corinthians
Quarta-feira, 11/06/2025 as 20:00 – liga na Record para acompanhar Corinthians x Fluminense
Sábado, 13/06/2025 as 16:00 – liga na SBT para assistir Cruzeiro x Corinthians
Terça-feira, 17/06/2025 as 21:00 – abre o Amazon Prime para assistir Corinthians x Grêmio
Sábado, 21/06/2025 as 18:30 – somente no Premiere ele vai conseguir assistir Red Bull Bragantino x Corinthians
Quarta-Feira, 25/06/2025 as 19:30 – dia de ligar na ESPN ou abrir o Disney+ para Cuiabá x Corinthians
São 6 emissoras diferentes com 6 dias e horários não padronizados. Em alguns casos, isso pode envolver 3 planos de assinatura de TV ou streaming pagos. Pode parecer um cenário exagerado, mas ele é possível a partir de 2025.
O fã apaixonado vai dar um jeito de assistir tudo – mas somente o fã apaixonado não movimenta o esporte e nem enche os cofres do clube. O torcedor mediano, o mais comum do Brasil, é impactado e sabe que seu time vai jogar em determinado dia e horário porque existe uma escalada de informação na emissora que detém os direitos para criar esse desejo. Com essa quebra de múltiplas plataformas, essa escalada vai ser dificultada e todas as empresas vão ter que gastar mais com mídia para informar o torcedor uma das coisas mais simples de uma partida de futebol: onde e quando vão jogar.
Como Peter Thiel já explicou, muitas vezes uma grande concorrência entre empresas as faz esquecer da parte mais importante de um negócio: o cliente.